Tudo isto é irreal – diriam os adeptos dos vídeos de gato – mas nós sabíamos que ia além, muito além. O contato virtual diário em grupos de promoção de paz nas redes sociais começava a delinear uma nova possibilidade de encontro. Se os primeiros passos foram árduos e sentíamos a necessidade de nos defendermos, aos poucos nos acostumamos uns aos outros e as barreiras gradativamente se dissolveram. A experiência de aproximação do inimigo não borra nossa própria identidade, mas permite que escutemos um outro ponto de vista sobre os mesmos fatos. O que se estabelece, então, são laços de empatia, que muitas vezes se transformam em amizades sinceras.
E quando os dois lados, o nosso e o deles, entra em guerra? Perdemos toda a confiança criada em um caldo de acusações mútuas? Nos recolhemos às antigas carapaças? Não. Nem nós sabíamos o que aconteceria em uma situação dessas. Juntos, tateamos no escuro, para nos percebermos cuidando uns dos outros. Nossos pequenos oásis virtuais, a troca de informações sobre os de cá e os de lá, a certificação de que estavam todos bem. Um perdeu a casa, e passou mais tarde a viver com a família em uma tenda cedida pelas Nações Unidas. Vários perderam amigos e parentes. Do lado de cá, aqueles que vivem perto da fronteira são sempre os mais afetados. A professora que teve sua casa atingida por um míssil e que perdeu amigos e teve outros feridos em um ataque ocorrido duas horas antes do estabelecimento do cessar-fogo. A moça assustada que enviava mensagens ansiosas cada vez que corria com o filho para um abrigo nos poucos segundos de que dispunha para proteger-se durante os ataques. Noites em claro e muitas vezes dias a fio sem notícias de amigos em regiões atingidas e que haviam perdido a conexão com a internet. Aprendemos a esperar pacientemente. Não foi assim nas primeiras vezes em que entramos em pânico, e uns aos outros nos sustentávamos, muitas vezes sem muita certeza do que estávamos falando. Aprendemos a ter fé, que era o que nos restava.
O silêncio ensurdecedor dos amigos de Gaza durou quase um ano após o final da guerra, mas finalmente retomaram alguma espécie de vida, como o passarinho da garota que voltava a cantar, e cujo vídeo assitimos em um canal de televisão dinamarquês. Compreender a dor do outro, enquanto nossas feridas ainda estão abertas, não é tarefa fácil, mas abre uma dimensão de possibilidades. Dia a dia, tocamos em questões profundas e controversas. Vez ou outra erramos no tom e nos perdemos em nossas próprias imperfeições, mas também aprendemos a ser mais acolhedores em relação a nossas dificuldades pessoais.
A bênção vem em forma de confidências e pedidos de conselho. As orações sob encomenda diante de algum desafio da vida, as fotos das crianças com olhos sorridentes de jabuticaba, e as correntes de ajuda aos mais necessitados. As saudades daqueles a quem já abraçamos um dia, e o nó no peito diante da impossibilidade de encontro presencial com outros. Um dia nos encontraremos, ou como diz a velha canção, viajaremos de trem para Damasco. Quando vier a paz.
Então quer dizer que paz é isto? Fazer um punhado de amigos no facebook? Não, claro que não, mas as redes sociais são, sem dúvida alguma, ferramentas poderosas que possibilitam a aproximação entre indivíduos, permitindo que ao desdemonizar o outro, se construam as bases para uma nova realidade. A paz só será viável se trabalharmos juntos! – bradou o palestino – com o que prontamente concordei. E eis que do mundo virtual, saem pouco a pouco novas parcerias, promovem-se encontros e compartilham-se sonhos de uma vida comum.