quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Oh, Jerusalem

Today, one of my dearest friends from East Jerusalem had a meeting in West Jerusalem (yes, the same city, but totally different realities), so he had his meeting with someone who runs a dialogue group, because he wanted to take part on it. Out of it, he volunteers in an organization that promotes dialogue and coexistence for kids, in the same Jerusalem. The same Jerusalem were I was born, the Jerusalem to which I, following my ancestors, turn when we pray, the Jerusalem I miss and will never forget.
Then five soldiers stopped him, asking for his ID. One checked it, while the other four, pointing their weapons, shouted at him. Of course, he was a suspect, right? He told me he tried to keep calm and only looked to the soldier who was still calm, checking his ID. He was liberated.
Arriving to the cafe where they had this meeting, while waiting for the other guy, two waiters came to check about what he was doing there. His friend arrived, they had the meeting, and he left to the second one, at the organization where he volunteers. I followed his anxiety for this meeting. Holidays, not a good moment, then, the day finally arrived. He was wearing his african print t-shirt, kept for special occasions. He just sent me the photos. Good people. Israeli Jews and Palestinians dedicating themselves to build a better future.
Guys like him keep me hopeful. These guys teach me every day that there is always a good reason to honor life. They are my compass, not those who already gave up.


quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Um trem para Damasco

Os primeiros encontros foram difíceis. Me lembro de ter conversado com um egípcio pelo skype, que tinha uma kefiah amarrada no pescoço. E ele nem palestino era! Kefiah que aos 18 usávamos displicentemente como um xale sobre os ombros, ou assim, como ele a tinha para proteger-se do frio, mas que depois da segunda Intifada tornara-se o símbolo do inimigo. Fiz amizades primeiro com iranianos, egípcios, turcos, para só mais tarde estreitar laços com palestinos da Cisjordânia, e aí então estabelecer os primeiros contatos com Gaza.

Tudo isto é irreal – diriam os adeptos dos vídeos de gato – mas nós sabíamos que ia além, muito além. O contato virtual diário em grupos de promoção de paz nas redes sociais começava a delinear uma nova possibilidade de encontro. Se os primeiros passos foram árduos e sentíamos a necessidade de nos defendermos, aos poucos nos acostumamos uns aos outros e as barreiras gradativamente se dissolveram. A experiência de aproximação do inimigo não borra nossa própria identidade, mas permite que escutemos um outro ponto de vista sobre os mesmos fatos. O que se estabelece, então, são laços de empatia, que muitas vezes se transformam em amizades sinceras.

E quando os dois lados, o nosso e o deles, entra em guerra? Perdemos toda a confiança criada em um caldo de acusações mútuas? Nos recolhemos às antigas carapaças? Não. Nem nós sabíamos o que aconteceria em uma situação dessas. Juntos, tateamos no escuro, para nos percebermos cuidando uns dos outros. Nossos pequenos oásis virtuais, a troca de informações sobre os de cá e os de lá, a certificação de que estavam todos bem. Um perdeu a casa, e passou mais tarde a viver com a família em uma tenda cedida pelas Nações Unidas. Vários perderam amigos e parentes. Do lado de cá, aqueles que vivem perto da fronteira são sempre os mais afetados. A professora que teve sua casa atingida por um míssil e que perdeu amigos e teve outros feridos em um ataque ocorrido duas horas antes do estabelecimento do cessar-fogo. A moça assustada que enviava mensagens ansiosas cada vez que corria com o filho para um abrigo nos poucos segundos de que dispunha para proteger-se durante os ataques. Noites em claro e muitas vezes dias a fio sem notícias de amigos em regiões atingidas e que haviam perdido a conexão com a internet. Aprendemos a esperar pacientemente. Não foi assim nas primeiras vezes em que entramos em pânico, e uns aos outros nos sustentávamos, muitas vezes sem muita certeza do que estávamos falando. Aprendemos a ter fé, que era o que nos restava.

O silêncio ensurdecedor dos amigos de Gaza durou quase um ano após o final da guerra, mas finalmente  retomaram alguma espécie de vida, como o passarinho da garota que voltava a cantar, e cujo vídeo assitimos em um canal de televisão dinamarquês. Compreender a dor do outro, enquanto nossas feridas ainda estão abertas, não é tarefa fácil, mas abre uma dimensão de possibilidades. Dia a dia, tocamos em questões profundas e controversas. Vez ou outra erramos no tom e nos perdemos em nossas próprias imperfeições, mas também aprendemos a ser mais acolhedores em relação a nossas dificuldades pessoais.

A bênção vem em forma de confidências e pedidos de conselho. As orações sob encomenda diante de algum desafio da vida, as fotos das crianças com olhos sorridentes de jabuticaba, e as correntes de ajuda aos mais necessitados. As saudades daqueles a quem já abraçamos um dia, e o nó no peito diante da impossibilidade de encontro presencial com outros. Um dia nos encontraremos, ou como diz a velha canção, viajaremos de trem para Damasco. Quando vier a paz.

Então quer dizer que paz é isto? Fazer um punhado de amigos no facebook? Não, claro que não, mas as redes sociais são, sem dúvida alguma, ferramentas poderosas que possibilitam a aproximação entre indivíduos, permitindo que ao desdemonizar o outro, se construam as bases para uma nova realidade. A paz só será viável se trabalharmos juntos! – bradou o palestino – com o que prontamente concordei. E eis que do mundo virtual, saem pouco a pouco novas parcerias, promovem-se encontros e compartilham-se sonhos de uma vida comum.

segunda-feira, 30 de março de 2015

Afinal de contas, de que judaísmo estamos falando?

Ontem tive a oportunidade de participar de uma mesa sobre Israel como Estado judaico e democrático. O tema, que na verdade era uma pergunta, trazia em si a inquietação da busca pela própria identidade.

Como acontece nestas ocasiões, o tempo era curto, e despertou mais questionamentos que respostas, o que vem bem a calhar para um título que nos brinda com uma interrogação.

Eu parti do princípio de que se Israel é um Estado judaico, e o debate amplo e inclusivo um valor central no judaísmo, não existe a possibilidade de que não seja democrático, caso contrário, seu próprio caráter judaico estaria ameaçado.

Existe sim, um sem número de contradições internas que ameaçam esta estrutura, mas entendo que mantenham o princípio democrático enquanto fizerem parte do debate. O perigo é a cristalização, a passividade, ou 'chas vechalila', um estado (agora em minúscula) morno e sem vida.

O breve debate que se seguiu, deixou uma pergunta em aberto, que ficou dançando dentro de mim, e pede passagem aqui. 'Afinal de contas, de que judaísmo estamos falando?' Aqui vão algumas reflexões que brotaram ao dirigir, na hora do banho, ou antes de dormir. Daquelas coisas que ficam buscando seu lugar, e só podem realmente existir se forem paridas.

A tua inquietação, Rodrigo, não somente é legítima, como reflete a pulsação de todo um povo, seja em Israel ou na diáspora. 

De todos, eu te diria, Rodrigo, de todos. Do mais tradicional àquele mais assimilado. Daquele que vive, come, veste, reza e respira o judaísmo a cada minuto, àquele  que o nega. Se realmente queremos preservá-lo como um sistema de valores essenciais, teremos que lidar com aquele que uma vez judeu, se declare ateu, e que queira a todo custo se desvencilhar de suas raízes, até aquele que dessacraliza não somente mesquitas e igrejas, mas escolas onde estudam também, crianças judias. Mesmo que a tentação da negação, principalmente no segundo caso, seja grande, não há meios de nos livrarmos dele. Se queremos que o judaísmo seja possível, teremos que acolher e encontrar maneiras de lidar com todas as suas nuances, onde lidar não significa fazer vista grossa. 

Se, por princípio, ninguém se livra de sua condição judaica - o que a história recente já nos deu provas suficientes de sua veracidade - seu oposto também é verdadeiro: o judaísmo não se livra de ninguém.

Portanto, Rodrigo, a tua pergunta traz a beleza mais profunda do judaísmo. Ser judeu é ser um em suas escolhas, e ser todos, por condição. Como povo, somos responsáveis pelo que acontece ao nosso redor. Não temos como afirmar que não nos diz respeito. Porque diz. Mas também, não cabe a ninguém nos dizer como ser judeus. Porque somos fruto do debate e da indignação, e é isto que nos mantém vivos por milênios.

Obrigada, Rodrigo, pela luz.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Coração partido, coração aberto

Hoje Manal, que vive em Bethlehem me procurou. Conversa fiada, daquelas só possíveis quando nos desvinculamos do que nos separa. Me apressei em perguntar por sua filhinha, a mais nova de quatro irmãos, que nascera durante a guerra de Gaza. "Doce! Já começou a comer!" Quando nasceu, publiquei sua foto em nosso grupo, que ficou um bom tempo em destaque, nos lembrando e lhe agradecendo por nos manter na corrente da vida. 

Os planetas devem ter feito alguma dança especial hoje, pois subitamente, depois de alguns dias tensos no grupo tentando a todo custo provar a novos membros, ainda crus, de que o diálogo era possível, eis que pela primeira vez depois da guerra os meninos e meninas de Gaza voltaram a falar. Ah, que bênção!

Uma grande amiga israelense que sinto como irmã de alma havia publicado uma chamada para um treinamento de observadores dos direitos humanos em Gaza, e logo nos organizamos para que todos nossos amigos fossem avisados. Mas eu não esperava, ninguém esperava, só não sei o quanto os outros se deram conta, de que despertaríamos fantasmas.

Mais cedo, havíamos conversado sobre o medo que toma conta dos israelenses e diante de afirmações muito precisas a respeito do que deveria ou não ser feito para combater a inércia, eu concluíra muito intimamente, que nossa atitude de acolhimento ajudaria muito mais. Talvez isto tenha me preparado para o que viria a seguir.

A menina de Gaza voltou, o garoto também. Em uma conversa privada, ela me contou que haviam se conhecido no grupo, e se tornado grandes amigos  – tomara que se casem! - festejou meu coração de mãe judia. Um menino novo, pela primeira vez falou sobre suas dores. Um a um, como que por encanto, abriram seus corações. Temerosos, quebrados, cheios de trauma e dor. Belas, lindas criaturas bonitas. 

Mais tarde, o mais velho deles, que já começa a assumir ares de homem responsável, me pediu que eu cuidasse de alertá-los para que não mencionassem suas atividades no grupo entre os seus. "Eles são livres no grupo, mas na vida real, não". Me disse que um amigo tinha sido envenenado, mas que já estava a salvo na Malásia. O que é medo, fantasia, confusão, e o que é realidade?

Não sei. Sobre os israelenses, eu concluíra, que se o medo surge, é legítimo e deve ser acolhido, independente dos fatos. O medo de Gaza também.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Os meninos voadores

Não escrevo desde a guerra, que Israel teima em chamar de "a operação militar do último verão", o que me deixa com sabor de ter assistido ao filme da sala ao lado. Por trauma, medo, ou simplesmente para tirar a poeira dos ombros e tentar encontrar um mínimo de possibilidade de vida entre os escombros internos, o pessoal de Gaza silenciou-se. Todos, sem exceção, procuram encontrar alguma forma de deixar a região, ideia que tem um misto de luta incansável e sonho distante. Sinto saudades, quero abraçar todos eles, e compartilho do mesmo silêncio ensurdecedor. 

Recentemente um garoto do time local de parkour, juntou-se a nós. A legenda da fotografia desses meninos voadores traz o senso de humor que não se deixa abater e que me faz sorrir: "a vida em Gaza está mesmo difícil - Israel baniu até a lei da gravidade!" A professora israelense logo se antecipa: "mas vocês não se quebram todos?" E começamos a trocar ideias de como fazer chegar até eles algum equipamento de segurança. Ironia do destino.

Os israelenses estão apavorados. Minha amada Jerusalém transformou-se em palco de ataques terroristas, preconceito, ódio e desejo de vingança. Meu coração se apequena ao pensar naquela gente, naquela paisagem que tanto me inspira a alma. Ai, se eu me esquecer de ti.... Mais uma vez, converso com israelenses e palestinos, preocupada, atrás de notícias. A situação na Cisjordânia também não anda nada boa. "Preciso do teu abraço" - me escreve o palestino de Hebron - "ando tão triste". E seguimos nossa jornada virtual, na certeza de que alguém se importa, em ambas as direções.

Achava graça quando pedia informações nas ruas de Israel, e sempre recebia a mesma resposta: "vá, reto, reto, até o final, até que não haja saída". O que acontece quando não temos mais saída? As esperanças diluídas, uns poucos lutando bravamente, bonecos, cartazes e espírito de comunhão: "árabes e judeus se recusam a ser inimigos", mas a imensa maioria se rende ao medo. Não julgo, não tenho este direito. Posso, talvez rezar, acender umas velas. Posso conversar, promover o encontro, mas não posso negar o sentimento de impotência que me invade a cada manhã quando leio as notícias. Que Deus, em Sua eterna misericórdia, se apiede de nós.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Blue

Depois da explosão, o silêncio ensurdecedor. Atordoados, catam o que restou das casas, dos corpos, da dor. Alguns se afastam do mundo virtual, têm a vida para respirar. Outros observam a movimentação estáticos, sem forças para reagir. Depois da catarse, o vazio. 

Uma hora antes do anúncio do cessar fogo para o início da noite, a israelense que tanto se esforçara em estabelecer sonhos com Gaza teve sua casa parcialmente danificada por um míssil. Dois amigos de sua comunidade foram enterrados nos dias que se seguiram e um terceiro ainda luta entre os dois mundos. Todos os outros anúncios de cessar fogo eram previstos para a virada da noite; este, chegou atrasado em uma hora.

A urgência toma conta de todos. No final de semana antecipado rumam para o norte, onde o ar desliza mais tranquilo entre as montanhas. As notícias de que grupos rebeldes tomaram o posto de controle na fronteira com a Síria de onde foram, em seguida, lançados alguns morteiros, parecem não ter intensidade suficiente para competir com a necessidade de silêncio.

Planos são adiados, afinal, é verão. Às vésperas da volta às aulas, as férias maculadas pelo sangue de inocentes deixará marcas profundas. Algumas ficarão expostas na face, sem possibilidade de qualquer disfarce. Outras, irão para debaixo do tapete e voltarão para nos assombrar enquanto saborearmos distraídos um café, ao som de alguma canção francesa antiga à beira-mar.

sábado, 23 de agosto de 2014

Onde há fumaça ainda há um fio de esperança

Estava hoje na rua pela hora do almoço quando recebi um telefonema. No meio de nossa conversa a menção de que meu amigo de Gaza havia feito algum comentário no grupo a respeito dos panfletos que o exército de Israel costuma jogar de aviões sobre regiões que serão bombardeadas a fim de alertar a população civil para que evacue a área fez meu coração disparar, prevendo que ele estivesse passando por tal situação. Tentei contato por todos os meios de que dispunha, porém sem sucesso e saí em disparada para casa a fim de me conectar com mais qualidade. Felizmente tudo pareceu se tratar de um mal entendido e respirei aliviada. Deixe-lhe uma mensagem contando sobre o sufoco pelo qual passara, mas que já desfizera a confusão. "Estou enlouquecendo", pensei.

Pouco depois ele entrou em contato comigo, confirmando a prática dos panfletos e acrescentando que na semana anterior recebera uma ligação do exército israelense no celular dizendo que eles tinham como alvo células do Hamas e alertavam a população para que não colaborassem com o grupo. "Eles querem que nos insurjamos contra o Hamas, mas sabem que não podemos fazer isto". "É uma pessoa que telefona, ou uma gravação?", perguntei. "Gravação." Procurei tranquilizá-lo de que os ataques aéreos eram mais precisos do que aqueles por terra, e que ele não teria nada a temer. Percebendo seu ceticismo crescente, sugeri que mudássemos de assunto. Falamos dos sentimentos por uma garota, de sonhos de uma vida melhor, mostrei-lhe o trecho de meu último texto em que eu falava a respeito dele, ao que ele me respondeu no seu costumeiro tom bem humorado: "Uau! Desse jeito eu vou me amar!" Como sempre, lhe assegurei de que esta situação teria um fim e que ele se daria muito em breve. Não falei isto somente para ser simpática, mas por realmente acreditar que apesar dos tempos sombrios, eles não serão eternos.

Era sábado, meu dia de descanso, e tinha mais tempo para cuidar de alguns assuntos pessoais e dar mais atenção àqueles que me procuravam. Não consigo me dedicar a todos como gostaria. Recebo mensagens muito bravas daqueles que ficaram fora das minhas prioridades no momento e me percebo elencando dramas pessoais: se está em campo de batalha, envolvido com as negociações ou cuidando de milhares de pessoas, sobe para o topo da minha lista. Envolvidos com o diálogo entre as partes e questões pessoais muito urgentes vêm em seguida, para por último entrarem questões muito particulares e pontuais. Discussões teóricas, suposições ou simples exercício são desconsideradas e qualquer forma de desrespeito ou acusação infundada são sumariamente ignoradas. "Sim, estou enlouquecendo".

Um amigo israelense me relatou que desde o início da guerra, mesmo que menos carros se arrisquem nas estradas, o número de acidentes teve um aumento de 40%. Em um grupo do facebook que  reúne moradores do sul de Israel, onde procuro somente ouvir sem me manifestar, li relatos de como as pessoas têm medo de sair de casa para qualquer compromisso, e serem pegas desprevenidas no meio do caminho pelo aviso das sirenes sem conseguir chegar a um local seguro a tempo. Nesta região, devido à proximidade com Gaza, o sistema de proteção conhecido como Domo de Ferro tem sua eficácia diminuída. Esta semana, a primeira criança israelense morreu, atingida por um estilhaço de um míssil lançado pelo Hamas. A família, casal e três filhos estava no carro quando soou a sirene, e em uma escolha extremamente difícil, optaram por que cada um dos adultos pegasse um dos menores no colo, e que o menino mais velho de quatro anos os acompanhasse correndo. Não foi rápido o suficiente. Um dos integrantes do grupo relatou que tem o costume de deixar a porta de casa aberta, para o caso de algum estranho que esteja passando na calçada em frente no momento do alerta, possa abrigar-se ali. Outro relatou que os cachorros correm para os abrigos cada vez que escutam as sirenes, o que na região se dá repetidamente durante o dia e a noite, e alguém perguntou se os demais membros também brincavam com as crianças competindo para ver quem conseguia chegar mais rápido ao abrigo. "Estamos todos enlouquecendo".

Uma garota publicou uma mensagem angustiada no grupo. Seis mísseis haviam atingido a vizinhança de nosso amigo de Gaza. Ele teria tido tempo de em algum momento escrever-lhe uma mensagem, e alguns minutos mais tarde enviou outra, dizendo que estava vivo e recomendando que ela fosse dormir. Respiramos todos aliviados.

Pouco tempo depois notei que ele estava conectado, e lhe escrevi uma mensagem pedindo notícias, ao que ele prontamente respondeu, abrindo um abismo sob meus pés. Aos primeiros sinais de bombardeio, a família que vive apinhada em uma casa de um cômodo em um campo de refugiados, saiu correndo aos gritos, mas ele usava seus fones de ouvido e demorou uns poucos segundos para reagir. Foi o último a sair da casa que tremia e cujas janelas e telhado sofreram danos devido à explosão da pequena galeria de lojas distante cem metros dali. "Eu nunca havia visto algo assim em minha vida, o mundo ficou todo vermelho, o barulho era ensurdecedor". Machucou um pouco o braço, e correndo em meio à fumaça e escombros, um dos olhos sofreu com a poeira. "Queima como o inferno", disse. Extremamente deprimido e desacreditando de qualquer possibilidade de sobrevivência me implorou que eu parasse de falar qualquer palavra positiva. Sua dor era tamanha que qualquer sopro de vida lhe soava como uma heresia.

"Alerta vermelho, alerta vermelho", publicou a israelense que vive na fronteira com Gaza. O medo, a exaustão e a incerteza marcando a nova semana que se inicia. Na manhã de domingo, enquanto tomava seu café, as sirenes soaram na região. Não houve feridos.

E na dança em que os últimos encontram seu destino, não posso me dar ao luxo de não ser a última que ainda carregue um fio de esperança. Tenho que seguir fazendo o que comecei, não posso me permitir abandoná-los. Um outro amigo, acadêmico e ativista veterano em resolução de conflitos respondeu ao meu apelo por ajuda: "em se tratando destes líderes extremistas dos dois lados, você vai ter que se acostumar ao pior." Procuro uma brecha por onde possa passar a luz e minimamente sustentar uma esperança de vida.